Quem recusar entregar armas é punido por lei

O segundo-comandante-geral da Polícia Nacional e coordenador da Comissão Técnica para o Desarmamento da População Civil, Paulo de Almeida, afirma que Luanda continua a ser a província com maior número de armas em posse dos cidadãos de forma ilícita. 

“A qualidade das armas apreendidas muitas vezes leva-nos a essa dedução”, diz Paulo de Almeida em entrevista ao Jornal de Angola, para anunciar o reforço das acções, em função do aumento da criminalidade com recurso à mão armada, com ajuda dos parceiros, da divulgação porta-a-porta. 

Jornal de Angola – Em oito anos de campanha de desarmamento da população que balanço faz do processo? 

Paulo de Almeida – A comissão ainda não terminou o seu mandato, uma vez que os objectivos para que foi criada ainda não foram totalmente alcançados, muito embora ter-se registado ao longo destes anos números satisfatórios de armas recolhidas. Mas continuamos a notar que ainda existe no seio da população um número elevado de armas, com a agravante de registarmos novas armas ilegais. 

Jornal de Angola – A campanha vai continuar? 

Paulo de Almeida – O programa deve continuar, por estar também associado ao desenvolvimento socio-económico do país, porque o desarmamento cria estabilidade, reconciliação, confiança e segurança. São programas do Governo e por isso há necessidade de a comissão continuar a trabalhar na campanha de desarmamento da população civil. Nestes últimos anos sentimos um desaceleramento da dinâmica de desarmamento da população civil, devido a factores psicológicos e financeiros. 

Jornal de Angola – Ainda há muito trabalho pela frente? 

Paulo de Almeida – A sociedade, pelo número de armas recolhidas, sente já como um trabalho acabado, mesmo até entre os próprios participes da comissão também já não há um envolvimento efectivo, porque se julga que o trabalho já foi realizado. Estamos preocupados com isso, porque o que recolhemos foram as armas que a população adquiriu por forma a participar na defesa da pátria, soberania e integridade física. Mas as armas que ainda permanecem com a população estão em mãos duvidosas. 

Jornal de Angola – O que quer dizer com “mãos duvidosas”? 

Paulo de Almeida – Estão em mãos de pessoas ligadas à actividade criminal, e não é um número pequeno. Todos os dias recolhemos de forma coerciva cinco a seis armas. De forma esporádica, alguns de boa-fé entregam de forma voluntária. Por isso, estamos preocupados e achamos que a campanha tem de continuar porque já desempenhou um papel bastante importante, através da sensibilização que motivou muitas pessoas a aderirem ao programa. 

Jornal de Angola – A comissão está confortável? 

Paulo de Almeida – Com o seu quase desaparecimento, as pessoas relaxaram. É nosso propósito a realização de uma reunião para se analisar o estado da comissão e conceber um programa de revitalização para, até 2017, podermos realizar acções que permitam um maior enxugamento de armas que estão na posse dos cidadãos. 

Jornal de Angola – Em oito anos, quantas armas foram recolhidas pela campanha? 

Paulo de Almeida – Dentro da campanha de desarmamento da população civil já foram recolhidas 101.492 armas, 60.819 carregadores, 578.943 munições e 158.548 explosivos. Mas, se formos a falar dos outros processos de desarmamento à luz dos acordos de paz no país, já vamos em mais de 300 mil armas recolhidas em todo o país. Foram destruídas 67.306 armas, 2.860 carregadores e 91.648 explosivos. Punimos também por posse ilícita. Com o processo aberto temos 1.425 indivíduos, foram julgados 678, condenados 619, absolvidos 59 e em instrução 747. De Janeiro a Abril foram recolhidas 736 armas: de forma coerciva 581 e por entrega voluntária 150. Foram registados 60 cidadãos com processo aberto, 60 julgamentos, 59 condenados e um absolvido. 

Jornal de Angola – Luanda continua a ser o centro de posse ilícita de armas? 

Paulo de Almeida – Luanda é a principal praça de recolha coerciva de armas. Aproveitamos para chamar a atenção ao Governo Provincial para que participe nos encontros. São oito anos de trabalho e o vice-governador indicado nunca participou nos encontros para avaliar e baixar recomendações. Luanda supera quase em oitenta por cento as demais províncias. 

Jornal de Angola – De onde são provenientes as armas em posse dos cidadãos? 

Paulo de Almeida – Continuamos a registar que as armas em posse do cidadão são provenientes de unidades militares, policiais e das empresas de segurança privadas. 

Jornal de Angola- Para onde vão as armas recolhidas? 

Paulo de Almeida – As armas são recolhidos e entregues à comissão que as guarda para serem destruídas. Todas as armas em bom estado são entregues às Forças Armadas ou à Polícia Nacional. Ela são entregues mediante um processo, depois são encaminhadas e as que estão em mau estado são destruídas. As armas que estão na posse dos meliantes são armas que estão em armeiros de algumas unidades retiradas por alguns elementos pra o circuito marginal. 

Jornal de Angola – Mas como é possível as unidades estarem envolvidas nisso? 

Paulo de Almeida – São elementos que se aproveitam de alguma desorganização ou descontrolo e fazem a comercialização destas armas. São factos evidentes que temos vindo a registar. Outra questão são as unidades de segurança privada, porque todas as semanas a delinquência busca essas armas dentro destas unidades, por negligência, indisciplina, comparticipação. 

Jornal de Angola – O que é que a comissão está a fazer? 

Paulo de Almeida – Já baixámos recomendações para que haja maior controlo, disciplina, revisão das normas e da gestão administrativa dos armeiros e, como também já recomendámos, está concluído o regulamento sobre as empresas privadas de segurança, sendo uma necessidade fundamental que este regulamento seja aprovado, já que a Lei de Segurança Privada já foi aprovada. Também já está elaborado o projecto de Lei sobre o Uso e Porte de Armas. São coisas que devem ser aprovadas para facilitar a acção dos órgãos competentes, para assumirem maior eficiência nas suas atribuições. 

Jornal de Angola – Já se pensou em fazer campanha porta a porta nas zonas mais críticas do país? 

Paulo de Almeida – Nós vamos agora incentivar as parcerias. A comissão, quando foi concebida, tinha um orçamento e conseguíamos fazer melhor o trabalho. O regulamento prevê que se deve fazer parcerias. Por isso, estamos a trabalhar com várias agências e organizações para podermos fazer campanhas nos municípios, comunas, escolas e centros que acharmos conveniente. 

Jornal de Angola – O que preocupa a comissão em oito anos de campanha coerciva? 

Paulo de Almeida – Estamos num período de crise que muitas vezes move consciências negativas. Estamos também numa altura de um desenvolvimento do terrorismo, do tráfico de armas que pode criar apetites subversivos. Não me refiro a organizações políticas, mas a grupos de marginais que, para qualquer fim, utilizam armas. Estamos a falar da droga, tráfico de seres humanos e diamantes, roubos de viaturas. Essas organizações, se tiverem possibilidades de ter meios letais, vão poder valer as suas acções causando desestabilização política, económica e social. Por isso, temos de encarar o desarmamento com muita seriedade. 

Jornal de Angola – Nesta fase da crise aumenta a violência? 

Paulo de Almeida – Sim. Hoje a arma é um elemento intimidatório. As pessoas aproveitam este meio para tirarem algum proveito. Se formos a apreciar, a maior parte das acções ­criminais com ofensas corporais graves são feitas com armas de fogo. E são na maioria cidadãos sem vínculos com as Forças Armadas e a Polícia. Por isso, precisamos de identificar quem são os agentes deste tráfico e como obtêm as armas. 

Jornal de Angola – Isso quer dizer que ainda há muito por fazer? 

Paulo de Almeida – Sim. Estamos na fase de transformação das mentes, porque o que precisamos é de fazer que o cidadão seja desencorajado de ter uma arma em sua posse. É este o trabalho que temos e que levou à prorrogação da campanha de desarmamento da população civil. Mas para chegarmos a isso temos de fazer ainda muito trabalho. Estamos a trabalhar no sentido de fazer mais uma prorrogação porque ainda temos muitas armas de fogo nas mãos dos cidadãos. 

Jornal de Angola – O que pensam fazer este ano? 

Paulo de Almeida – Vamos intensificar a sensibilização, mobilização e divulgação da campanha junto da sociedade civil, em função do papel importante que tem para a eficácia da campanha. As acções de sensibilização para a entrega voluntária vão continuar. Quem quiser entregar a arma voluntariamente pode fazê-lo enquanto decorre a recolha coerciva. 

Jornal de Angola – Urge a tomada de medidas? 

Paulo de Almeida – Precisamos de tomar medidas de maior controlo das armas para não termos problemas futuros. Temos uma paz sólida que pode perder-se se tivermos armas ilegais em posse do cidadão. Isso destabiliza, não há desenvolvimento sem segurança. Quando nós sentimos que a população está armada e comete crimes, as pessoas retraem-se. Queremos evitar isso. É necessário que a comissão se revitalize para exercer uma actividade mais catalisadora nos órgãos que têm a responsabilidade e o controlo do desarmamento.


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