Após mais de 30 anos integrado na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o ex-bispo Alfredo Paulo considera que "nunca é tarde para repor a verdade" e, por isso, criou um canal no YouTube, onde partilha uma série de vídeos sobre o que diz serem "os bastidores da IURD". Nas mensagens, o brasileiro, que falou ao Novo Jornal online, denuncia inúmeras práticas criminosas, incluindo o desvio de milhões de dólares de Angola, sobretudo para Portuga.
"Acredito que nunca é tarde para você repor a verdade", diz Alfredo Paulo, que, por telefone, explicou ao Novo Jornalonline porque é que só após mais de 30 anos de devoção resolveu apontar o dedo à IURD.
"Estava reticente por causa do meu filho", conta o brasileiro, acrescentando que, até há cerca de mês e meio, o rapaz, de 19 anos, estava ligado à IURD.
"Tinha receio de falar alguma coisa com ele lá", reforça Alfredo Paulo, contundente nas acusações.
"No ano de 2008, a "Fogueira Santa de Israel" [campanha de entrega de ofertas à igreja em troca de "graças"] giravaem torno de 13 milhões de dólares em Angola, dos quais cinco milhões iam para Portugal", aponta o ex-bispo daIURD, num dos vídeos partilhados no YouTube.
A "evasão de divisas", conforme classifica o religioso na conversa com o NJ, foise tornando mais expressiva a cadaano, desde a sua chegada a Portugal, em 2002, até à saída, em 2009.
"O dinheiro era transportado de Angola pelos pastores, que viajavam de carro para a África do Sul, de onde os dólaresseguiam na maioria das vezes para Portugal, através do avião particular do bispo Macedo [líder da igreja]", reconstitui o antigo bispo, avançando que grande parte das verbas são aplicadas na TV Record.
As alegações, que após várias tentativas de contacto do Novo Jornal em Luanda e em Lisboa continuaram semmerecer qualquer comentário da IURD, voltam a lançar suspeitas graves sobre a congregação, já investigada no Brasil por branqueamento de capitais arrecadado em donativos, falsidade ideológica e uso de dinheiro para proveito pessoal.
Possíveis crimes de branqueamento de capitais e fuga ao fisco
Em Angola, a igreja já esteve suspensa, em 2013, na sequência da morte de 16 fiéis no Estádio da Cidadela, no culto "Dia do Fim", que marcou a passagem de 2012 para 2013. O caso acabou contudo por ser encerrado sem aresponsabilização dos líderes da igreja.
Agora "a confirmar-se esse cenário" traçado por Alfredo Paulo, "podemos estar perante vários tipos de crime, sendo os mais graves a fuga ao fisco e branqueamento de capitais", analisa o advogado Albano Pedro, em declarações ao Novo Jornal online.
"A fuga ao fisco ocorre quando a saída de capitais não percorre as tramitações legais, com o pagamento dos impostosprevistos na lei", esclarece o jurista, acrescentando que "o branqueamento de capitais acontece porque estas pessoas são obrigadas a encontrar justificações falsas para que o dinheiro possa ser explicado no destino, forjando a licitude da origem".
Para Albano Pedro, "o suborno é também uma possibilidade" a considerar, porque é natural que "a saída do país detanto dinheiro tenha a ajuda de terceiros, que podem ser autoridades nacionais, definindo a lei que o crime é praticado por quem suborna".
A hipótese não é contudo abordada nos vídeos do ex-bispo da IURD, que, ao NJ, revela desconhecer o envolvimentode entidades estatais ou governantes angolanos nos supostos desvios.
"Se existirem pagamentos para facilitar a movimentação do dinheiro, estando aqui ambos os lados a cometer o crime porque a lei responsabiliza as duas partes há também que não excluir a possibilidade do crime de corrupção", adiantaAlbano Pedro.O caso pode ainda enquadrar uma situação de burla, "se o dinheiro foi entregue à igreja pelos fiéis perante um pedido feito para determinado fim, seja um projecto ou uma campanha de ajuda, por exemplo e depois desviado paraoutros". A burla pode ainda ser qualificada, "tratando-se de obtenção de lucros ilícitos significativos com prejuízo de outros através de engano".
Albano Pedro lembra igualmente que o furto "porque se trata de património da igreja que é retirado sem justificação" e o enriquecimento ilícito também podem ser para aqui chamados. "Se o dinheiro for parar a mãos de pessoas sem que para isso tenham quaisquer justificações, resultando num eventual aumento elevado de património".
A gravidade das acusações é reiterada por Alfredo Paulo, que apela à verificação das contas da IURD em terras lusas."A partir do momento em que os dólares chegavam a Portugal, entravam como se fossem dízimos e ofertas do país",recorda o brasileiro, sublinhando que depois da "injecção", o bispo Macedo dava orientações sobre como o dinheiroseria distribuído.
"Quando cheguei a Portugal a igreja não tinha conta em dólares, mas depois descobriu que podia e passou a ter uma.Vão lá ver. Mesmo que tenham encerrado, fica sempre o rasto bancário", desafia o ex-bispo da IURD, que lembra que a moeda usada em Portugal é o euro.
"Mesmo que um ou outro fiel faça donativos em dólares, nunca seria de milhões", defende.
Afastado da IURD há três anos, o religioso apenas lamenta ter demorado tanto tempo para agir. "Só tive conhecimentodo esquema quando cheguei a Portugal [2002], e é claro que no fundo sabia que estava errado. Mas o bispo Macedofalava que valia fazer aquilo pela obra de Deus, e eu queria acreditar", remata Alfredo Paulo.
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